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Dos gramados ao MAR

Clubes periféricos do Rio de Janeiro fazem participação na exposição sobre funk do Museu de Arte do Rio e abre questionamento sobre a ligação desses dois símbolos culturais.


Por Alessandra de Souza


O Museu de Arte do Rio apresenta a exposição “funk: um grito de ousadia e liberdade”  que explora a história fascinante do funk ao longo das décadas e como ele perpassa pela sociedade carioca, desde seu embrião no Soul até os mais famosos bailes funks da atualidade. Nela está exposta, também, a obra de André Vargas “É por isso que eu vivo no clube do Soul (2023)” que consiste em bandeiras de times da periferia do estado do Rio de Janeiro como  Bangu Atlético clube, América Football Club e River Football Club aparentes no teto da exposição.


André Vargas é artista visual, poeta, compositor e educador formado em filosofia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. A intenção de suas obras é voltada na na retomada de sua ancestralidade para entender as bases das culturas linguísticas, religiosas, históricas e estéticas da brasilidade em que se insere, tendo a cultura popular como a maior indicação de sua matriz de conceitos. Vargas foi convidado pelos idealizadores da exposição que está a quase um ano exposta no Museu de Arte do Rio, e postou a explicação de seu conceito em sua rede social:      


“O Soul, principalmente, o carioca, já tocava muito no meu rádio e nos clubes dos bairros do subúrbio, já povoaram meu imaginário sobre a singeleza e a pureza da cultura e do esporte. Me debruçar sobre os nomes que cantavam e agitavam o movimento negro carioca e, ao mesmo tempo, sobre os clubes que abrigavam os bailes era uma aventura extraordinária e atividade nesse tempo de camisas e brasões que homenageiam o poder que se organiza fora do centro e que fomenta a dinâmica estética, rítmica e identitária do "endereço dos bailes" que permanece firme e forte no funk.”

  

Mais que bola no pé, uma forma identitária


A aparição dos clubes periféricos do rio na exposição traz à tona a relação súbita entre esses dois movimentos culturais muito presentes no cotidiano da periferia. A convergência entre o futebol periférico do Rio de Janeiro e a cultura suburbana se tem a formação no início do século XX, no qual foram criados juntamente com o desenvolvimento de bairros mais afastados da capital fluminense.


(Funk: Um grito de ousadia e liberdade. Foto/Reprodução: Alessandra de Souza)

Nesta época ocorreu, também, o boom do futebol para além de um esporte de massas, se concretizando cada vez mais como uma identidade nacional própria, assim, surgindo inúmeras agremiações por todos os cantos da cidade maravilhosa. Eles foram, e ainda são, os pólos de relações econômicas e socioculturais de cada bairro, criando laços associativos e identitários próprios do subúrbio. Seus impactos vão do comerciante local, que tem seus lucros aumentados consideravelmente por conta dos jogos semiprofissionais e profissionais, aos moradores e participantes do evento que muitas vezes tem nele sua única forma de lazer e envolvimento com o esporte mais importante do país. Além de que, ao longo de todo século XX, as agremiações suburbanas, sediaram bailes e gafieiras na parte da noite.


No Brasil, o futebol tem a peculiaridade de transcender a barreira esportiva já que é tido como um dos principais elementos de formação da identidade nacional. O Futebol no subúrbio carioca está nas fábricas, nos clubes sociais, nas ruas de terra batida, de paralelepípedos, nos cruzamentos, nos campinhos de bairro dos interstícios da estrada de ferro da Central do Brasil. No qual a criação de clubes periféricos como Bangú, Madureira, América football Club, River Football club, entre outros que se ergueram juntamente com os bairros da zona norte e oeste da cidade do Rio desde o início do século passado. Além disso, Os subúrbios cariocas em si apresentam um poder de resistência através de adaptações ou contraposições a estruturas dominantes, percebidas em ações e interações espontâneas e variadas e no seu cotidiano. Os mesmos movimentos de resistência se espelham para o futebol suburbano, que contrapõe com a tentativa de transformar o futebol em um esporte exclusivo da elite, da mesma maneira que o suburbano resistiu aos mecanismos de exclusão promovido pelas elites no início do séc. XX, ele vem resistindo às novas formas de exclusão promovidas pelas elites econômicas e sociais que hoje dominam o futebol.


Bailes e gafieiras nos clubes


O futebol periférico também entrevistou um dos guias responsáveis pela exposição “Funk : um grito de ousadia e liberdade" no museu do MAR a respeito dessa obra que desperta muitas curiosidades. O guia Lennon nos explicou que todos os times expostos ali tinham bailes e gafieiras mensalmente, ou até semanalmente, em suas locações nas décadas de 60 até inícios dos anos 2000.

(Funk: Um grito de ousadia e liberdade. Foto/Reprodução: Alessandra de Souza)

Além disso, um grande exemplo dos times citados no museu que obtivemos relato é a história do falecido River Futebol Clube do bairro de Piedade, fundado em 1917 que participou da série A do campeonato carioca ao longo dos anos 30, 40 e 60, e que na década de 80 sua agremiação foi palco de inúmeros bailes e rodas de samba.


A moradora Cláudia Costa que cresceu a vida toda aos arredores do clube, relatou que o River era o centro de diversão na época dela, que além de trazer a experiência de ter jogos de futebol profissionais e semiprofissionais disponíveis para a população que não tinha condições de ir ao maracanã ver os 4 grandes do Rio, servia como polo de outras festas e também criava um sentimento de fazer parte de algo muito maior: conseguir torcer para um time próximo da sua casa com todo o seu ciclo social por perto e torcendo junto. Sendo assim, enriquecendo culturalmente e dando acesso a lazer, diversão e acolhimento a todos do bairro e proximidades. 


Com isso, o museu de arte do Rio, ao trazer esses ornamentos de inúmeros times da periferia, traz também consigo a história de pertencimento local nas comunidades em que estão inseridos, mostrando assim, de uma forma intrínseca,  além da sua jogabilidade, a sua matriz cultural urbana em seus tradicionais bairros, os seus desdobramentos estéticos, políticos sociais e econômicos ao imaginário que em torno dele foi constituído.


Funk e futebol são semelhantes culturalmente?


O Futebol Periférico entrevistou o professor Pablo Laignier, que é titular do IBMEC no Rio de Janeiro e professor substituto da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Ele se formou em Jornalismo, fez também mestrado e doutorado em Comunicação e Cultura e, em seu doutorado, realizou um estudo chamado Funk Fluminense.


Foi perguntado ao professor: qual o simbolismo retratado na existência de tais bandeiras em uma exposição estritamente para o funk?  

"Bom, eu diria que, se essas bandeiras estão em uma exposição sobre funk, é um pouco para falar de periferia mesmo, de uma certa visibilidade da cultura popular. O funk e o futebol são mediações simbólicas, são mediações culturais, como diz Jesus Martín-Barbero, que foi um autor de comunicação já falecido. Ele era espanhol, né? Morou muitos anos na Colômbia, mais de 40, 50 anos, e fez seu doutorado se tornar popular. Jesús Martín-Barbero é um autor que escreveu o livro Dos Meios às Mediações, onde fala de mediações culturais, de formas de se relacionar no cotidiano, como uma metacultura simbólica importante de cada cultura e tal. No Brasil, por exemplo, ele fala no livro dele sobre o samba, mas o livro é de um outro tempo. Se o livro fosse escrito 20 anos depois, ele certamente falaria, por exemplo, do funk, como forma de remeter a uma matriz afrodescendente e a uma série de elementos que a gente tem no Brasil e no Rio de Janeiro.”

O funk e o futebol de várzea andam lado a lado, no sentido cultural e representativo?

“Eu penso o seguinte: futebol é futebol, funk é funk. Tanto que você pode tocar samba no futebol, tocar rock no futebol. Uma coisa não está totalmente atrelada à outra. Não dá para dizer que o funk é a trilha sonora do futebol. Porém, são dois elementos populares importantes.”

 O funk pode ser  denominado parte da cultura periférica? Como ele se manifesta no subúrbio? 

“Sim, o funk pode ser considerado parte, sim. Ele flerta com o mainstream, aparece nos grandes meios de comunicação, mas ele tem uma organicidade muito grande nas favelas, nos subúrbios; lá ele não para, está presente o tempo inteiro. De vez em quando, ele aparece nos shows da Xuxa, da Vida, nesses programas... mas muitos funkeiros ficam fora desse mainstream. Existe, sim, uma relação muito forte do funk com a cultura periférica, e não é periférica o tempo todo, depende de como você vê, mas ele tem uma relação muito forte com essa invisibilidade. Já faz mais de dez anos que escrevi sobre o tema, tenho alguns artigos publicados, que saíram até um pouco depois, além da tese. Na época, era muito comum você ir para um grupo, como o grupo de Caxias, e alguém colocava lá o Furacão 2000, 'o Furacão 2000, a número um do Brasil'...”

“Eu tinha uma coisa de, de que o funk era, eu sei o que falar, o que era como o 2000 era a coca-cola do subúrbio. Como? Era uma marca muito conhecida e muito grande nesse subúrbio, pelo menos era naquela época, né? Pra quem é acompanhado hoje. E o funk se manifesta no subúrbio de várias formas, através de gravações, através dos bailes, através de festas, através de rodas de funk que já existem já há algum tempo, né? A música de modo geral é aquela que se difunde de maneira fácil, não precisa do hard necessariamente, mas o funk também passa por esses canais.”

Qual a relação que o senhor faria sobre futebol e funk? É possível enxergar o futebol periférico no funk e o funk no futebol periférico?

“O funk representa muitas comunidades, muitas favelas; enfim, ele menciona esses bairros nas letras das músicas. Existe um amor pelas comunidades, e as pessoas muitas vezes brigam por elas, ou no baile. Antigamente, havia muitos bailes ao redor, mas hoje não é tão comum. As pessoas brigam para defender seu território, e o futebol é a mesma coisa. Há um lado de irracionalidade e violência que explode nessas manifestações, tanto no futebol quanto no funk.”
 “Eu acho, também, que o futebol de um modo geral tem uma relação com o funk, com o popular e tal. E nos contextos periféricos, certamente, o funk é uma das tradições fundamentais. Como o samba e como outros. Agora eu acho que tudo depende também do tipo de funk. Tem coisas que caem melhor em certos contextos do que outros. Você também não pode esquecer as próprias comunidades, as favelas…. O futebol é um espaço de sensibilidade muito importante para as pessoas, sejam elas quem forem. Eu acho que é um elemento de lazer também como os bailes e etc. Tem essa coisa de reconhecimento, o artista da região cria da favela, muitas vezes é o funkeiro, e pode ser também no caso do futebol. Eu acho que isso, em termos de representação, tem poucos. O artista que acendeu e saiu daquele lugar, de alguma forma representa aquela comunidade, o futebol tem isso também. as pessoas gostam de lembrar que aquele cara saiu daquele contexto.”

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